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Jornal Metro

O maior jornal diário do mundo

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Entrevista com Stacey Kent

Nasceu em New Jersey, depois mudou-se para o Colorado. Tudo nos EUA. Sei que tem umas ligações a França, mas neste disco apresenta um sotaque muito bom!

(risos) Obrigada! O disco em francês era algo que teria de acontecer. Já sabia que o queria fazer há muito tempo e era uma questão de timing, de oportunidade. Eu queria era encontrar as canções certas. O resultado é interessante, porque mesmo não sendo a minha língua nativa, acho que é o disco mais íntimo e pessoal. Mas acho que é porque a minha ligação à língua francesa e à poesia francesa é muito profunda. Isso deve-se à minha ligação à França: o meu avô, era russo, mas viveu em França muitos anos. E tinha um amor tremendo pela cultura francesa. Quando era pequena ele ensinou-me a ler em francês e a recitar poesia. Eu não sabia o que estava a dizer, mas ele adorava e ria-se! Quando entrei para a escola já tinha uma enorme curiosidade, em aprender. Ele deu-me o amor pela língua e acho acabei por estudar  línguas e literatura e poesia por causa dele.

 

Mas porque é que este era o momento correcto?

Já alguns anos que vinha a coleccionar o material que queria apresentar. Então acho que o timing estava correcto nesse sentido, porque encontrei a forma do álbum. E vou ser honesta contigo: eu podia ter feito algo mais simples e superficial, mas devia-o a mim, fazer o disco tão profundo e pessoal. Eu já tinha gravado algumas músicas em francês e a recepção por todo o mundo foi tremenda. E descobre-se que toda a gente gosta de poesia francesa! O próprio som das palavras soa bem! Acho que a editora também percebeu que era um disco que se podia fazer. Foi difícil chegar às 12 músicas que compõem o disco e criam o universo que eu lhe queria dar.

 

 

Teve aulas para a pronúncia?

Sim, tive um treinador que me ajudou! Eu tenho sotaque, mas queria que ele fosse o melhor possível, mas sabia que não podia ser perfeito. Ao início estava preocupada, mas depois percebi que o que era importante era a entrega às músicas, às histórias e à poesia.

 

Há quem diga que quando se preocupa demais com a pronúncia, acaba por perder-se o sentimento.

Exactamente e para mim o sentimento era o mais importante, o centro de tudo.

 

Que memórias tem da estadia em Paris, França?

Vivi lá durante um ano e meio, com a minha irmã, durante muito desse tempo. Foram tempos excelentes. Falávamos as duas entre nós em francês, precisamente para melhorar. Na altura era estudante e falava a toda a hora. Era giro que nós as duas fingíamos que éramos francesas! Hoje consigo perceber uma coisa: cada língua tem uma personalidade e quando faladas pela mesma pessoa, vem ao de cima diferentes aspectos dessa pessoa.

 

Isto foi há cerca de 20 anos.

Sim.

 

E Paris também teria um encanto diferente, não?

Sempre teve um encanto enorme. E tu estás onde, em Lisboa?

 

Sim. Em Lisboa.

Lisboa  também é encantadora! Adoro Lisboa! Adoro (em português). É uma cidade onde eu poderia morar.

 

Estava há pouco a dizer que o seu avô foi uma influência muito grande para si no que diz respeito à poesia. Como é que Paris a influenciou musicalmente?

Bem, acho que compreendi muito cedo que a cultura francesa e a minha cultura pessoal partilhavam muitas coisas. Quando ouvi a música francesa revi-me nela. Ainda antes de ser cantora. Acho que a música francesa e brasileira – e eu – partilhamos uma sensibilidade, muito delicadas, doces. Acho que o que gostei era que era música sem grande drama, sem grande teatralidade. Eu gosto disso na minha música, porque mostra como eu sou. E acho que essa naturalidade existia mais em francês e português do que na minha própria música. Adoro cantar em inglês, mas não é tudo o que eu quero. Parece que falta alguma coisa nos recursos estilísticos, como as metáforas. As emoções escondem-se atrás de qualquer coisa... As emoções em francês e português são muito mais cruas.

 

Foi por essa ligação à música brasileira que cantou a versão de Georges Moustaki de "Águas de Março", de Tom Jobim, "Les Eaux de Mars"?

Sim, é uma canção cheia de substantivos, muito evocativa, que fala de períodos da vida de forma muito delicada. E a tradução acho que ficou muito boa. O Tom Jobim adorava a tradução que o Moustaki fez.

 

Soa, de facto, muito bem!

Ainda  bem que dizes isso. O que eu gosto mesmo é que há tanta poesia só nas palavras... e um gozo enorme para mim poder cantá-las em francês e também em português, agora que estou a estudar. Usam-se diferentes partes da nossa cara e é um sentimento tão físico e sensual. E nunca se fala muito disso. Dizem-me muito que gostam da muito da minha entrega à música... e não reconhecem o que disseste: o quão bem sabe nos ouvidos e na boca.

 

Durante a conversa tem-me parecido muito entusiasmada com a língua portuguesa. Está a pensar em fazer algo semelhante a este “Raconte Moi”, mas em português?

Sim! Mas vai demorar ainda algum tempo. Queres ouvir a história?

 

Sim, claro!

Quis estudar português desde pequenina, só consegui estudar francês, alemão, italiano e latim. Então tenho uma boa relação com línguas latinas. Há 20 anos não havia muitas formas de aprender português. Mas o ano passado disse: "eu preciso desta língua na minha vida" (em português). Fui para uma escola de Verão, em Vermont, onde se assina "um juramento" (em português). E só falamos em português durante sete semanas.

 

Então podemos fazer o resto da entrevista em português.

Bem... "eu pósso tentárr, más não é fácil porque estudamos sometchi sete simanas"! (risos)

 

Então continuemos em inglês, porque quero deixá-la confortável.

Então quis aprender português porque queria entrar mesmo na poesia. Adoro a língua, o som e música. Não só a bossa nova e o samba, mas também o fado. Sou louca por Fernando Pessoa. Não é uma decisão de carreira, mas uma decisão pessoal! O meu objectivo de vida é aprender o máximo de línguas possível. Agora estou a estudar e era incapaz de cantar numa língua que não compreendo. Agora já começo a perceber e se entender a poesia, já me consigo expressar. Então a ideia é essa. Mas algo de maravilhoso aconteceu nesse curso: um dos meus professores nesse curso, que é português, é um poeta! Chama-se António Ladeira, acho que é de Sesimbra. É fenomenal. Tocámos muita música em conjunto e temos muita coisa em conjunto. Partilhamos o mesmo universo de emoções. E ele começou a escrever algumas canções para mim, letras. Eu e o meu marido, Jim Tomlinson, estamos agora a escrever música. Já temos algum material, mas vai demorar algum tempo. Quero estar certa e aprender. Porque algumas palavras dão-nos uma sensação física diferente! Por exemplo, a palavra "mouth" não é tão delicada como "boca". "Boca" é uma palavra linda! Mas ainda preciso de ser estudante durante muito tempo.

 

Talvez possa passar algum tempo aqui em Portugal e trabalhar no terreno.

Mal posso esperar! Espero mesmo passar aí algum tempo. Agora vou estar a fazer uma digressão de uma semana, mas no Verão quero ir aí passar umas férias.

 

Estava aqui a pensar para com os meus botões: é curioso o destino de uma pessoa. Nasceu em New Jersey, foi para o Colorado, mas, se calhar, se não tivesse ido para Paris, talvez nunca tivesse ganho a paixão por conhecer outras línguas. E talvez hoje em dia fosse apenas uma cantora de jazz a cantar em inglês... O que acha disto?

Bom... eu acho que ia ser inevitável. Desde pequena que sentia que queria fazer parte do mundo, lia tanto de outro países... quando me licenciei – dia 22 de Maio – no dia 23 de Maio apanhei um avião para a Europa. Nem jantei com os meus pais. Fui-me embora, porque sentia-me livre e queria fazer parte do mundo. Parecia-me o sítio indicado, pela literatura, pelo cinema, Wim Wenders, Godard, Trufaut, Renoir e Antonioni que me disseram qualquer coisa. Sim, podia ter seguido outro caminho... mas acho que mesmo não sendo cantora, ia parar sempre à Europa.

 

É um destino baseado naquilo que sempre sentiu.

É interessante, porque estou a ler muito Fernando Pessoa. É capaz de ser o maior poeta de sempre. Ele consegue ser muitas pessoas numa só. E a sensibilidade não muda de heterónimo em heterónimo, mas ao mesmo tempo são tantas personalidades a virem de uma só pessoa. É como eu me posso descrever a cantar em tantas línguas.

 

Falando agora dos concertos de apresentação de “Ranconte Moi”. Como vão ser?

Não sei muito bem o que vou cantar. Normalmente escolhemos as músicas no próprio dia. Muitas vezes porque sinto que preciso de cantar esta ou aquela música. Claro que há músicas que terei de cantar, mas tenho de ouvir o público, ouvir-me a mim e perceber os sentimentos. Vou cantar algumas músicas de "Raconte Moi", músicas mais antigas e também algumas coisas em português!

 

O que vai cantar em português?

Estou completamente obcecada com “Desde Que o Samba É Samba”! É linda, ouvi o João Gilberto cantá-la pela primeira vez, não percebi bem, mas apaixonei-me! E ouço-a frequentemente. Quando aprendi a língua, as metáforas, fiquei comovida.

 

 

 

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